
O patriarca da família Gracie só perdeu três lutas em sua carreira, já se apresentou para o presidente Getúlio Vargas e teve o governador Carlos Lacerda como seu aluno
Rio de Janeiro, 1928. Para desculpar-se pelo atraso do irmão Carlos, então professor da primeira academia de jiu-jítsu da cidade, no bairro do Flamengo, o franzino Hélio Gracie, então com 15 anos, o substituiu. O que ele não sabia era que sua primeira experiência no tatame foi um sucesso. No fim da aula, um dos alunos pediu a Carlos para continuar tendo aulas com seu irmão caçula, que desta forma estreava no esporte já como professor.
Onze anos mais novo, Hélio freqüentava diariamente a academia de Carlos. Ele era proibido pela mãe de treinar por sofrer desmaios constantes. Sua doença, que o obrigou a abandonar a escola por alguns anos, nunca foi diagnosticada. “Acho que meu problema era emocional, talvez ligado a alguma insegurança”, arrisca, ressaltando que se curou depois de começar a lutar.
Assim, há 72 anos, o adolescente Hélio Gracie dava o primeiro passo para se tornar conhecido internacionalmente como o criador do Gracie jiu-jítsu, uma adaptação da arte marcial japonesa. Para provar que seu método era mais eficiente, os irmãos Carlos e Hélio desafiaram lutadores de todos os estilos para um combate sem regras e sem barreiras. Foi assim, nos anos 30, que nasceu o vale-tudo. O mundo conheceu o estilo Gracie com a criação, em 1993, do Ultimate Fighting Championship, um mundial de luta livre com tratamento de superprodução americana e transmissão em rede mundial. Royce e Rickson, filhos de Hélio, tornaram-se astros internacionais dessa competição.
Aos 17 anos, Hélio foi campeão brasileiro de luta livre e ganhou pela primeira vez destaque nos jornais brasileiros e publicações estrangeiras. “Eu era o Ronaldinho daquele tempo”, brinca. Em sua carreira, sofreu apenas três derrotas, que prefere classificar como “resultados polêmicos”. O presidente do Brasil, Getúlio Vargas, assistiu a uma delas. Ele estava no Maracanã quando Hélio perdeu para o campeão mundial de luta livre, o japonês Kimura, em 1951. “Meu irmão ficou com medo que ele quebrasse meu braço e jogou a toalha. Não discuti, mas acho que poderia ter ganho aquela luta”, declara. O filho de Getúlio, Manoel Antônio, o Maneco, e Benjamim, um dos irmãos, foram seus alunos, assim como o governador Carlos Lacerda, na academia que manteve durante trinta anos, de 1950 a 1980, na Avenida Rio Branco, no Centro. “Lacerda fez de tudo para que eu concorresse como deputado pelo seu partido”, conta Gracie. Ele considera o período Vargas como o melhor da história do país. “Tínhamos fartura na mesa e esperança. Hoje, só há desmando”, diz.
Hélio, que parou de lutar profissionalmente em 1952, recorda-se também da derrota para o ex-aluno Waldemar Santana, diante de cerca de duas mil pessoas, na Associação Cristã de Moços, na Lapa, no final da década de 40. Depois de três horas e quarenta e cinco minutos de luta, desmaiou diante de um adversário 35 quilos mais pesado. “Ele ganhou, mas eu não perdi, desmaiei”, argumenta. “Como podia um homem daquele tamanho demorar tanto tempo para acabar com um galinha morta como eu?”, indaga. A primeira derrota aconteceu em 1933, no Rio. Hélio estava em desvantagem contra o norte-americano Fred Herbert, quando a polícia chegou e encerrou o combate. A luta se estendeu até as duas da madrugada e o barulho estava incomodando os moradores. Sua performance lhe valeu um convite do Exército para fazer demonstrações nos quartéis.
O sobrenome Gracie confunde-se com a história do jiu-jítsu. “Sempre tem alguém entre os 18 e 20 anos preparado para ser campeão”, explica Hélio, pai de nove filhos, 28 netos e 2 bisnetos. Em 1914, o campeão de jiu-jítsu Esai Maeda, também conhecido como Conde Koma veio ao Brasil ajudar a estabelecer uma colônia japonesa no Pará. Lá, contou com o apoio do político Gastão Gracie, pai de Hélio. Em troca, ensinou a luta marcial a Carlos, o primogênito de Gastão.
Hoje, Hélio não se diz satisfeito com os rumos que o esporte tomou. O professor, que cobra R$ 200 por hora de aula, em sua casa, em Itaipava, garante que o que se pratica é o anti jiu-jítsu. “A filosofia foi distorcida”, dispara o mestre, que só dá aulas para pessoas a quem considera fisicamente fracas e que poderão usar a luta como fonte de auto-confiança. Em fevereiro, ele chegou a defender a prisão de Ryan Gracie, filho de seu sobrinho Robson, por ter agredido um homossexual. “O infrator tem que ir para a prisão. Pouco importa se é da família Gracie ou de outra família qualquer”, declarou na ocasião. Pelo menos quatro vezes por ano, Hélio vai aos Estados Unidos para preparar seus filhos Rickson e Royce para lutas de vale-tudo – que acontecem em todo o mundo. Também aproveita as temporadas fora do País para assessorar os filhos Rórion, Rolker e Robyn na academia que a família mantém em Los Angeles e por onde já passaram alunos como Mel Gibson, Silvester Stallone e Clint Eastwood. No Rio, é sócio de uma academia com os filhos Royler e Relson, no Humaitá. Viúvo depois de um casamento de 30 anos com a dona-de-casa Margarida, ele se casou de novo há 37 anos com Vera, mãe de seis de seus filhos.
Hélio deixou o Pará com a mãe, Cesarina, e os oito irmãos, quando o pai morreu. A família chegou ao Rio depois de dez dias a bordo de um navio. Hoje, o único objetivo do patriarca é continuar determinando os passos da família. “Só quero que continuem fazendo o que eu mando”, admite. E completa: “Essa história de mulher independente foi inventada por homens preguiçosos”.
Fonte IstoÉ
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