Eram 18h10m do último dia 19, em Amam, na Jordânia (14h10m em Brasília) quando o duro Tiago Pereira ajoelha-se, na sala de aquecimento, para alongar a musculatura. Com o curto tatame amarelado lotado (num lado, Bráulio Estima aquece em pé com Leonardo Leite; colados, Gabriel Vella e Tarsis Humphreys esquentam com a ajuda de Rubens Cobrinha), o faixa-preta brasiliense ajoelha-se com a cabeça colada ao chão. Porém, sem saber, está virado de costas para a sagrada Meca.
Minutos depois, sai o sorteio do absoluto do Capital Challenge, e Tiago cai direto com Bráulio “Carcará” Estima, o eventual campeão. A derrota vem após uma raspagem e um katagatami arrochado, ao fim da luta: “Eu não conseguia ficar confortável nunca na guarda dele”, contou Tiago. “Ele puxou minha gola pela nuca, quando briguei para tirar, dominou meu braço pela manga. E deu no que deu”.
Foi nessa toada que o professor da Gracie Barra radicado em Birmingham venceria mais quatro lutas até a consagração como grande nome do evento realizado pela primeira vez na Jordânia, faturando o absoluto e a categoria até 88kg do campeonato dos brasileiros Zaid Mirza e Pedro Galiza. Mas não foi nada fácil, como o pernambucano aluno de mestre Zé Radiola (e futuro papai) conta a seguir, exclusivamente ao GRACIEMAG.com.
O que foi mais difícil na caminhada rumo aos dois ouros conquistados em Amam?
A seqüência de lutas no absoluto, na sexta-feira, com certeza me fez conhecer meus limites, nas condições em que estávamos. A capital Amam fica a 1.200 metros acima do mar, com o ar seco e pesado do deserto e só peguei pedreira. Tiago Pereira de primeira, Charles Cachoeira descansado de baia, e logo depois Gabriel Vella. Após as quartas-de-final contra Cachoeira pensei em desistir, foi o Otávio Souza que me deu um puxão de orelha e me fez concentrar, foi ali onde vi que poderia ir além do que eu pensava. Essa seqüência de lutas me fez evoluir bastante mentalmente, consegui botar meu Jiu-Jitsu no piloto automático!
E a final contra Leonardo Leite, no sábado?Conheço bem o jogo do Léo, um excelente judoca de nível mundial, então eu sabia que não ia derrubar, lógico. Puxei [para a guarda], ataquei a luta toda enquanto ele se defendia bem, acabei ganhando por dois pontos, por punição no Léo, e no finzinho encaixei o braço, quando acabou o tempo. Agradeço a força do Lucio Rodrigues, o nosso Lagartão, e ao Otávio Souza, que no absoluto foi imprescindível como técnico.
Foi um fim de 2008 de redenção, após as lesões, não?
É, meu ano começou conturbado, embora com esperança. No fim de janeiro fiz uma cirurgia no joelho por causa de uma contusão grave que tinha me afastado do Mundial 2007. Os médicos me deram seis meses para voltar a treinar normalmente, mas estava decidido a lutar o Mundial 2008, e após dois meses de muleta, tive dois meses para recuperar a musculatura e a estabilidade e treinar para um campeonato mundial. Foi duro, estive na dúvida se lutaria até a última semana, mas optei por lutar e acho que fiz a escolha certa. Chegar à final de um Mundial nessas condições foi uma vitória (André Galvão foi o campeão). Voltei do Mundial e voltei minhas atenções à minha recuperação e aos preparativos do meu casamento. Confesso que o estresse do casamento foi maior do que o da competição. Casei na Polônia em julho, fiquei em lua-de-mel, e voltei aos treinos em agosto. Tive um grande resultado no Pan Sem Kimono, ganhei a categoria e o absoluto mas me senti ainda fora de ritmo, e ainda machuquei as costas. Fiz muita fisioterapia e a três semanas do Capital Challenge melhorei minha movimentação e decidi lutar. Tinha até cancelado o vôo uma vez, pois achei que não daria, mas tudo ocorreu bem e cumpri a promessa para meu pai, de dedicar a ele o título conquistado no aniversário dele, em 19 de dezembro.
E agora é a preparação para a chegada do filhão, no fim de abril. Filhote de Carcará é o quê?
Bem, do cruzamento com uma princesa polonesa vai sair um carcará turbinado! O lance agora é escolher um nome comum para brasileiros e poloneses, talvez Gabriel.Mas até lá treinos intensos, vou para Recife treinar janeiro todo com Zé Radiola na Gracie Barra Pernambuco, para o Europeu. Na época do Pan, em abril, vou começar a dar atenção ao bebê e não vou ter tempo livre nem tantas horas de sono, mas a Beatka entende a importância do esporte na nossa família e sempre me deu suporte. Depois do nascimento não vai ser diferente.
O Capital Challenge marcou também a consagração do seu parceiro Otávio Souza, que impressionou nas vitórias sobre Tiago Alves e Tarsis Humphreys, esta uma das melhores lutas do evento. Mestre Zé Radiola já prepara novas safras?
A Gracie Barra-PE é um celeiro de campeões há muito tempo, o estilo de treino, sempre com a supervisão do Zé, faz com que nos puxemos ao máximo. Somos uma família, e o Zé é como um pai – sua presença é diária e constante. E já temos várias promessas desde a faixa-amarela, com Guilherme Rocha, de 10 anos, bicampeão brasileiro, até o Lucas Rocha, faixa-roxa de 18 anos e bi mundial. Na marrom temos o Bruno Almeida, que fechou a categoria médio com o Kayron este ano e, na preta, Max Carvalho, meu irmão Victor Estima, o Otávio e assim vai.
Os bastidores do evento na Jordânia lembraram o clima de cumplicidade e bom humor dos primeiros ADCCs, nos Emirados, com as mordomias, e todos juntos e misturados. Mas a atmosfera pareceu ainda mais amena – inclusive com rolas eletrizantes, como o seu com Cobrinha, por exemplo...
Sempre que a oportunidade aparece trocamos uma idéia a respeito de posições e tal, acho que só faz crescer o nosso conhecimento. Posição aqui, detalhezinho ali, acabamos fazendo uma movimentação ali para aquecer. Acho que a nossa geração se respeita bastante e a rivalidade é ali na hora da luta. Não julgo ninguém de acordo com o time, mas sim pela personalidade. E lá a turma toda era gente boa, foi uma das minhas melhores viagens, sempre quis ir ao Oriente Médio, e não vejo a hora de ver a galera e relembrar as brincadeiras. Olha, o Tiago Alves e o Serginho Moraes são muito ruins de piadas, a gente só ria para não cortar o barato deles (risos).Lembrei de uma boa: enquanto aquecíamos, tocamos no assunto do Serginho vestido de Homem-Aranha na GRACIEMAG. Começou um debate sobre qual era o super-herói preferido de cada um na infância, e ri muito das revelações. Teve Wolverine, até Capitão América, até que descobrimos (não vou falar quem) o único fã do ROBIN! Pô bicho, tanto herói por aí, logo o Robin... (Risos).
O que vem por aí em 2009?
Estou orgulhoso por ter cumprido meu dever, e me dou nota 9 pela temporada 2008. Ano que vem vai ser cheio de desafios. Começa com o filhote, e passa pela minha estréia no MMA. De 2009 não passa. Ainda vai ter o ADCC em maio e os já citados Europeu, Pan-Americano e o Mundial 2009, onde vou estar na minha melhor forma técnica, já estou ansioso pra isso. Queria terminar agradecendo todos os meus amigos e treinadores, Zé Radiola, meu irmão Victor, minha esposa, sou um cara sortudo por ter tantas pessoas especiais ao meu redor. Em agosto, treinei também muito com Roger Gracie e tive uma grande influencia do Rominho Barral, que estava aqui comigo na Inglaterra. Meu condicionamento melhorou muito com as dicas dele.
O que o sucesso estrondoso do Jiu-Jitsu brasileiro no Oriente significa, no seu ponto de vista de atleta e professor?
Acho que o trabalho de Carlão Santos em Abu Dhabi e o de Zaid Mirza e Pedro Galiza na Jordânia são importantes para o futuro da arte, os caras estão dando o sangue para divulgar o Jiu-Jitsu como um esporte fundamental para defesa pessoal, e para o MMA. Ou seja, a área de aceitação é vasta. Anteriormente, a conquista da América foi um grande passo para o BJJ, acho que, com a mudança do Mundial para os EUA, o Jiu-Jitsu estourou mais rapidamente pelo mundo, e agora temos mais esta prova no Oriente Médio. E sinto isso também nos seminários que faço pelo mundo, como o tour de três semanas que fiz nos States, no Colorado, Califórnia e Havaí. Posso mandar um último abraço? Vai para Renée, Rexie e a turma da GB Hawaii, e para Argirys e a turma da GB Cyprus, que me deram a maior força!
Fonte GracieMAG
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